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Conselho Regional de Psicologia Santa Catarina - 12ª Região



Comissão Especial da Psicologia da Mulher


Comissão Especial da Psicologia da Mulher
2019-10-25

Ainda é uma situação difícil ter que registar um caso de violência doméstica e/ou de gênero, as informações são escassas sobre a ambiguidade do que é ser vítima ao ter sofrido a violência e ter que lidar com o estigma de ser a culpada pelo ato violento. A Organização Mundial de Saúde (OMS), considera a violência contra as mulheres um problema de saúde pública e identificado até mesmo como uma epidemia mundial pela UEFS (2018). É uma questão delicada de pensar, trabalhar e escrever sobre, por ser perpetrada por parte do parceiro. Cujos dados apontam ser uma violação dos direitos humanos, sendo que a violência física e/ou sexual, no entanto, varia entre os países da região das Américas, e em 2018 afetou cerca de 14% das mulheres com idade entre 15 e 49 anos em algum momento de suas vidas, sejam em situações esporádicas e/ou em relacionamentos conjugais - afetivos. Ser mulher no século XXI é quebrar paradigmas e ao mesmo tempo lidar com estigmas conceituais sobre ser mulher e funcionalmente ter que ser forte, mas ao mesmo tempo ser frágil e hostilizada por isso, é ser culpada pela violência e ser considerada ainda posse dos homens de sua sociedade. "Primeiro do pai, depois do marido e por fim de seus filhos. A mulher se torna ‘coisificada’. Pode-se aplicar o direito de posse do homem sobre elas, isso não é algo legal, mas sim cultural” (COELHO, Ana Carolina, 2018).

Segundo o psicólogo norte-americano Lenore Walker em 1979, identificou alguns padrões abusivos em relações afetivas, sendo que para entender o que conhecemos por um fenômeno de violência de gênero/doméstica/familiar, é preciso compreender o ciclo da violência que está dividido em três fases: aumento de tensão, ataque violento e a calmaria ou “lua de mel”.

Basicamente, em um resumo do que Walker elaborou, entende-se que o ciclo da violência enfrenta momentos de agressividade com ofensas verbais, controle e críticas, seguindo a processos de agressões físicas – como tapas, socos, empurrões, até a fase da calmaria, momento em que o agressor pede desculpa e implora por perdão, chegando muitas vezes e em muitos casos a prometer que aquilo não irá se repetir.

Ser mulher em uma relação afetiva-sexual-conjugal está alicerçado na confiança e no investimento de afeto que constrói a parceria na relação em paralelo ao parceiro. E o fato é que a violência física e/ou psicológica, não começa do dia pra noite, não vem com o buquê de flores ou uma cantada com convite para o primeiro encontro, as vezes vem, mas nem sempre é notório, pois no impacto do desejo, a intenção da mulher é querer estar numa relação, e até mesmo idealizar o príncipe encantado, aquele mesmo padrão que encontrávamos nos desenhos animados e contos infantis. É tanto desejo de pertencer a uma relação de semelhança e congruência, que a mulher se entrega ao lado do êxtase e da atração física e emocional, porque a inteligência e a parceria também atraem tanto quanto um tipo físico, bem definido ou como a intenção do homem ao conquistar. Mas o homem, muitas vezes não toma consciência fidedigna de que é um agressor, ok. Por vezes, só acreditam ser daquele jeito, são padrões constituídos e impostos por uma sociedade masculinista que os ensinou assim. Se entende que a violência é circunstancial, é vivencial e relacional, ela acontece por múltiplos fatores, baseados em toda uma cultura e sociedade que invoca esse padrão de se posicionar sobre o sexo feminino com autoridade e poder.

E a mulher, pode chegar a ficar presa nesse ciclo durante anos até tomar a consciência de sua situação. Pois muitas vezes, não entende que a violência é uma violência, pois muitas vezes, não consegue entender uma violência pois tudo isso, gera uma confusão de afeto e emoção tão grande, que fica difícil acreditar que “me apaixonei por um agressor” (sic). E se chegar a tomada de consciência de que ele é um agressor, acredita que ele pode mudar, e que o amor e a parceria construídas, bem como a familia que constituem pode mudar de agressão para não agressão. Até porque, “ele não é uma pessoa má o tempo inteiro, então o meu investimento nessa relação pode mudar toda forma como estamos vivendo” (sic).

Só que em uma relação de violência doméstica, o agressor acaba usando todo esse investimento contra a própria mulher, ele vai jogando com esse afeto, obtendo o controle por ela e pelo sentimento e emoção que ela dedica a família e a relação, ele “morde e assopra, e dói causando confusão, já não se sabe se é amor ou dependência” (sic).

E para tomar a consciência de que se vive uma relação de violência, é preciso viver o sentimento da violência, e muitas vezes ela é entendida como tal, quando a violência atinge os filhos (as) de forma direta, onde gera uma percepção de que isso não é normal, que são ciclos de violência e de agressões e são totalmente distintos ao afeto.

E quando a mulher toma consciência disso, e agora?!

Agora, ficamos com os danos psicológicos e as consequências de passar por uma situação como essa podem ser irreversíveis, pois se torna uma ferida que muitas vezes não cicatrizam, com dificuldades de reestabelecer novas relações, de confiar em si e nos outros, é o medo de errar novamente que leva ao vazio de não saber o que fazer, e a passividade.

O caminho funcional e fundamental para extinguir a violência é dialogar abertamente e tornar cada vez mais os espaços e comunicação acessíveis para os esclarecimentos e entendimentos do que pode vir a ser a violência e o limite que o outro não pode ultrapassar para não se tornar agressor; o caminho é mostrar para a mulher vítima de violência que a situação que ela vive ou viveu, não é individual e sim um problema que parte de uma estrutura social desigual. O caminho é uma rede articulada de atendimento interseccional psicológico, jurídico, mas é também (muito) fundamental um olhar empático e resiliente de mulheres comuns, que estão ao nosso lado, na frente e atrás o tempo inteiro, é o respeito e equidade de apoio e construção socioemocional num olhar que possa gerar confiança e que fale mais do que muitas palavras, é a construção de “eu estou aqui com vocês, contem comigo porque vocês não estão sozinhas".

São tantas as referências que são bases filosóficas e teóricas para esse Conselho Regional de Psicologia 12°(CRP 12) que propõe-se em ressignificar e orientar os processos de se tornar uma mulher em um mundo tão cheio de paradigmas a se quebrar, com tantas violências e estigmatizações que adoecem a saúde física e emocional, que ocasionam sofrimento e estigma geração após geração de mulheres que eram entendidas como submissas aos homens. Entre muitas, posso citar algumas referências que transcenderam aos seus tempos e exploraram a revolução contra os pressupostos de masculinidades e que se entende como causadoras do fenômeno das violências: “Não se nasce mulher, torna-se mulher” (BEAUVOIR, Simone) e o direito de ser mulher no século XXI é ao contrário do que os aspectos masculinistas pregam, é sobre a luta por equidade de gênero que é funcionalmente elaborada como aspectos feministas, o direito que se baseia em pressupostos de Judith Butler é, “seja qual for a liberdade pela qual se luta, deve ser uma liberdade em igualdade” entre os gêneros com respeito e integralidade de direitos.

 


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