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Conselho Regional de Psicologia Santa Catarina - 12ª Região



O movimento Recovery: reinserção social baseada em relatos e experiências dos próprios usuários


O movimento Recovery: reinserção social baseada em relatos e experiências dos próprios usuários
2017-05-02

O movimento Recovery: reinserção social baseada em relatos e experiências dos próprios usuários

I Colóquio Internacional de Recovery e Cidadania, promovido pelo Curso de Psicologia da Faculdade CESUSC e pelo Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina (CRP-12) foi realizado no último dia 18, das 8h às 18h, na CESUSC. Entre profissionais psicólogas(os), estudantes de psicologia e outras áreas interessadas, o evento reuniu cerca de cem pessoas e contou com convidados nacionais e internacionais. A atividade contou com o apoio do Instituto Arco Iris e Pameijer.

O movimento internacional Recovery é uma forma de abordagem no campo da saúde mental. O Recovery está baseado na desinstitucionalização, trazendo a possibilidade de reinserção social dos indivíduos com transtornos mentais. O objetivo principal da técnica é fazer com que estas pessoas possam ter uma vida digna, com seus direitos reconhecidos enquanto cidadãos e longe dos “arcaicos” hospitais psiquiátricos. O mais importante deste movimento é que o usuário conta não apenas com o apoio da equipe de profissionais psicólogas(os) e psiquiatras, mas especialmente com seus pares, ou seja, aqueles que já passaram por experiências semelhantes e contribuem de forma singular para a recuperação do grupo como um todo.

Conferência

A conferência “Recovery e cidadania: a experiência de Suporte de Pares no campo da saúde mental na Holanda” foi apresentada por Tjade Rouw, que veio especialmente da Holanda para partilhar sua experiência com o projeto Recovery, abordando conceitos e práticas relacionados ao tema.

Tjade trabalha na Organização Social Pameijer com sede em Rotterdam-Holanda. Ele trabalha em programas orientados para o Recovery atuando como peer support e formador de novos peers supporters (Suporte de pares) através da Escola de formação de Peers – Howie  the Harp e também como facilitador avançado na metodologia WRAP (Plano de ação Pessoal de Recovery e bem-estar). Importante destacar que este tipo de organização foi criada inicialmente nos Estados Unidos, há mais de trinta anos, e a partir da iniciativa de usuários. Cerca de seis anos atrás é que o projeto foi implantado na Holanda.  

Atualmente Tjade é peer supporter na Pameijer e, ao trazer o relato de sua própria experiência de vida enquanto usuário das técnicas, é possível observar ainda mais os pontos positivos da utilização do apoio de pares para a recuperação dos indivíduos. A ideia do Recovery é trabalhar “de usuário para usuário”, ou seja, os pacientes que se sentem melhores incentivam os demais a progredirem.

“Quando se tem um problema e outra pessoa também tem, 
cria-se um entendimento perfeito, a isto se dá o nome de poder de pares”.

Recovery tem como propósito “ouvir uns aos outros e ajudar uns aos outros”. Assim, o foco é nas pessoas e não apenas nos sintomas. O ideal é que possamos enxergar as pessoas como indivíduos, e não como diagnósticos, como muitas vezes acaba acontecendo. Entretanto, o movimento depende do aprendizado e da aceitação das condições de cada indivíduo, exigindo otimismo e compromisso da equipe para atingir os objetivos. Você precisa de pessoas que acreditem em você e que é possível superar os desafios, ressalta Tjade.

O Centro de Treinamento e o Health Care System

Para a formação na Escola Howie the Harp da Pameijer são necessários seis meses de aula integral e mais seis meses estagiando com o potencial das pessoas e seus talentos individuais. Já o Programa Buurtcirckel é um projeto que permite que as pessoas com transtornos mentais vivam e se engajem na sua comunidade e não em instituições psiquiátricas. A proposta é trabalhar com “times por bairros”. Importante destacar que as pessoas continuam tendo atendimento e apoio de uma equipe completa de profissionais para abordar as demandas - dentre eles: psicólogas(os), psiquiatras, assistentes sociais, peers supporters e gerentes de habitação -, mas se sentem livres para viverem suas vidas.  

“Um colega te apoia e não um profissional, as pessoas moram no mesmo bairro e se apoiam. 
Um voluntário faz essa conexão entre profissional e colegas”.

Existem duas abordagens na Pameijer: Community Supported Network (Rede de Suporte Comunitário), que se apoia nos pontos fortes e fracos de cada indivíduo. Segundo Tjade há uma considerável melhoria na qualidade de vida, saúde, redes de relacionamento e sai muito mais barato tratar as pessoas desta forma. A segunda abordagem é o WRAP, ferramenta de gestão pessoal do bem estar onde participantes se juntam em oito encontros para discutir assuntos relacionados ao seu bem estar e as possibilidades de futuro, montam um plano de ação para viver suas vidas e continuar se sentindo bem. Afinal, “todo mundo precisa de esperança, se você não a tiver, torna-se difícil chegar aonde se quer chegar”. No WRAP as pessoas se inspiram, pois compartilham o que as faz se sentir bem.  

Clarissa Silva, que também é peer supporter da Pameijer falou de suas experiências com o movimento Recovery através de uma videoconferência durante o evento. Segundo ela, o WRAP tem como propósitos:  pertencimento, encorajamento e mostrar o sentido da vida aos pacientes. “Hoje sou uma mulher independente e forte e isso não seria possível sem as pessoas ao meu redor. Entretanto, é importante dizer que o WRAP não possui uma regra de ouro, trata-se de um caminho individual”.

Recovery em Santa Catarina

Em Santa Catarina o grupo de estudos do Recovery está promovendo o WRAP desde 2016, a partir do apoio da Pameijer e também da organização Copeland Center dos Estados Unidos, que atualmente administra a inserção do WRAP no mundo inteiro. A terceira turma desse projeto piloto está acontecendo até junho de 2017 - com a parceria entre o CESUSC e o Instituto Arco Iris - e já estão sendo planejadas ações para formação do próximo grupo de 2017, em Florianópolis.

Desafios da clínica da atenção psicossocial e serviços orientados a Recovery no Brasil

A coordenadora e professora Dra. Tânia Grigolo abordou a respeito dos desafios da clínica da atenção psicossocial e os serviços orientados por Recovery no Brasil. Nos últimos dois anos existe um projeto de pesquisa na Faculdade Cesusc que trabalha com Recovery e WRAP, o Grupo de Estudos e Pesquisa “Experiências com o sofrimento psíquico: Recovery e Emancipação”.

Grigolo fez um paralelo entre os tratamentos de transtornos mentais no Brasil, em especial nos Centros de Atenção Psicossocial - CAPs, e o modelo de Recovery implantado em outros países. Os usuários no Brasil estão pouco incluídos na vida social, no trabalho, na família, na cidade, na participação social. O diálogo com outras culturas nos faz repensar o Sistema Único de Saúde – SUS e as políticas de saúde mental no Brasil.

Os usuários do CAPs esperam encontrar uma reação humana de disponibilidade para com o outro. É preciso trabalhar com outros possíveis: empoderamento, advocacy, recovery, reformulação do papel e das práticas dos profissionais e serviços, e em especial, a introdução de valores e estratégias do Recovery nas políticas públicas, ressalta Tânia Grigolo.

Silvana Alvim, mestre em Psicologia do Trabalho, atualmente finalizando a graduação em psicologia no CESUSC e uma das organizadoras do grupo de Estudos sobre Recovery, coordenado pela professora Tania Grigolo,  esteve recentemente voluntariando na Pameijer na Holanda, onde participou dos programas e conheceu serviços fundamentados na visão do Recovery. A ideia com essa conexão é estabelecer uma troca de conhecimentos entre as iniciativas no Brasil e a experiência holandesa e com esse intercâmbio, além de estudar a visão do Recovery, também iniciar cooperações visando experimentar, avaliar e implementar  práticas baseadas no Recovery no Brasil.

Sobre o preconceito

Segundo a presidenta do CRP-12, Jaira Rodrigues, o preconceito, o estigma, a violência, a exclusão, pesam sobre as pessoas com transtornos mentais perversa e especificadamente. Elas sofrem barreiras que se impõem contra a sua inclusão democrática na sociedade e contra a sua capacidade de desenvolvimento humano pleno. Assim, não é possível desvincular o movimento Recovery de um diálogo crítico sobre o momento sociocultural de nosso país e suas implicações para a saúde mental.

Como o tema do colóquio trata também de cidadania, é preciso refletir acerca do desemprego e seu impacto na vida das pessoas. O trabalho, ou ainda, a ausência dele, foi amplamente citado nas falas dos palestrantes Tjade Rouw, Clarissa Silva e Tânia Grigolo, pois está diretamente ligado ao bem-estar das pessoas.

“O trabalho nos caracteriza humanos, social, cultural e subjetivamente.
Pessoas que convivem com sofrimento psíquico, principalmente aquelas a quem a atenção psicossocial estrutura práxis como o Recovery,
se encontram entre as mais vulneráveis nestes contextos de retrocessos que estamos vivendo no Brasil”

Assim, o contexto nacional que vem desmantelando as políticas públicas não é um acontecimento descolado da realidade e do cotidiano de cada usuário. Este tema é central e determina, em grande parte, a medida do sofrimento. Por isso, é necessária a incessante luta política pelos direitos, com alternativas de resistência capazes de contrapor o grave ímpeto antidemocrático que assola nossas instituições e vidas. Estes espaços de assembleias se tornam expressão literal do empoderamento e, estes movimentos, se apoiados pela militância de usuários, familiares e trabalhadores tornam-se legítimas formas de controle e participação social. 

Matéria e fotos: Sidiane Kayser Schwinzer / Assessoria de Comunicação CRP-12


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Créditos do vídeo: NUTE: Colóquio sobre Recovery e Cidadania. Produção de NUTE. Florianópolis: NUTE, 2017. 1 vídeo.

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